quinta-feira, 16 de abril de 2015

Cenário-Duvidoso

POR OLÍVIA DE CASTRO

Partindo da proposta de colocar a dúvida também no plano do cenário, a ideia é inverter a lógica de planos e colocar em jogo novas dimensões.

Como inspiração plástica, estão os quadros de Jacek Yerka (imagem), que quebram a lógica tradicional. A cenografia de Daniela Thomas para a peça “Não Sobre o Amor”, com direção de Felipe Hirsch, serve como inspiração mais concreta para o cenário.

A maioria dos ambientes da nossa peça são locais fechados (casa, quarto, bar). Então, a proposta é que o cenário possa tê-los como base fixa, estilhaçados nas "três paredes" do palco. E que outros ambientes possam vir representados de maneira móvel no plano do chão.

*Boudoir, de Jacek Yerka

*o ator Leonardo Medeiros na peça "Não sobre o amor", dir: Felipe Hirsch



domingo, 12 de abril de 2015

Uma casa tomada.

POR LIPE LIMA


CAMBIARSE

Casa Tomada é um Tchekhov argentino.
Irene e eu (não eu que escreve, mas eu que é escrito) assistem a vida passar e não conseguem mudar.
São comprimidos pela força trágica da vida.

Tchekhov diz: Como a vida é dura.
E Cortázar, pra mim, responde: A vida não é dura, ela passa.
Ela passa
e expulsa.
Joga Irene e eu pra rua de onde vieram.
E Eu joga a chave no bueiro.
Pra ninguém
viver a vida de Irene e eu e os pais e o avô paterno e os bisavôs.

Casa Tomada, pra mim, possui muito movimento – precisa ter movimento, precisa ter mudança, precisa ter ação.
Os dois fazem muito, limpam a casa, tricotam, cozinham, devoram livros. Tudo isso é preenchido de sentido, de emoção, de transformação.
Através de todas essas ações, Irene e eu precisam buscar o mundo.
(Mas nada de bom chega a Argentina desde 1939.
Eles estão presos em 1939.
Eles precisam sair de 1939, abandonar os dois pretendentes de Irene e María Esther.)

Irene e eu são frágeis
E se prendem à casa para não desaparecerem
Para não se esvaírem pelo mundo
A certeza deles é a casa
O resto é dúvida.
Dúvida de alma e não de corpo.

A vida os expulsa para as dúvidas.
Despeja-os no mundo
Grita em desespero: MUDEM!

E Irene e eu tentam improvisar
Se esforçam pra mudar
E como num jazz
Se entortam
Se contorcem
Descompassam
Perdem o tom
Que tom?.

(Esse texto vai de Dó menor a Sol maior. Do lento pro rápido. Termina em pausa. Jogar a chave para o mais longe possível)

domingo, 5 de abril de 2015

1. O que significa construir um campo de dúvidas?

POR LIPE LIMA

Flusser diz que “um campo não é um quê, mas a maneira como algo ocorre” (p. 42), ou seja, para construirmos um campo de dúvidas, precisamos investigar maneiras como elas ocorrem. A condição fundamental que encontramos para que a dúvida aconteça é dada logo nos primeiros parágrafos do livro de Flusser, A Dúvida.
Ele diz: “o ponto de partida da dúvida é sempre uma fé. Uma fé (uma “certeza”) é o estado de espírito anterior à dúvida” (p. 21). Dessa maneira, precisamos trabalhar sempre sobre o binômio CERTEZA-DÚVIDA. Não é possível duvidar sem que antes se estabeleça alguma certeza.
Como em uma grande partitura, cada elemento da encenação trabalha com o binômio em um pentagrama, determinando qual momento ele dá certeza e em qual momento ele se coloca em dúvida. Para que isso ocorra, é preciso refletir o que é um “ator-duvidoso”, um “corpo-duvidoso”, uma “voz-duvidosa”, uma “luz-duvidosa”, uma “música-duvidosa”, um “cenário-duvidoso” um “figurino-duvidoso” e uma “dramaturgia-duvidosa” (essa última, resultado direto do embate, harmônico ou não, entre o teatro e a literatura fantástica - tradução, transposição ou adaptação).
Todos esses elementos se articulam dentro da partitura, cada um com voz independente, justapondo-se e compondo, por fim, a “cena-duvidosa”, resultado polifônico dos gritos e silêncios de todas essas vozes.