POR LIPE LIMA
“Ch’ienniang, dividida
entre o amor e o respeito filial, quase morreu de tristeza...”
O Encontro é um “estranho no ninho”. Demorei pra compreender a sua escolha e o
porquê dele estar entre os outros contos. E, pra ser sincero, acho que só
compreendi esse ano, depois dos nossos primeiros ensaios, quando me empurraram
pra dentro dele. Encontrei.
Preparamos cinco improvisos (dois preparados por mim e três
por Barbara) que acabaram se transformando em estudos de atores, de distância e
proximidade com o material. Eu precisava riscar vários fósforos até que um acendesse.
Era preciso me atravessar pelo conto.
A sensação que tive é que Barbara e eu fizemos caminhos
opostos na construção de nossos improvisos. Ela partiu da fábula do conto em
seu primeiro improviso, se colocando no exercício de narrar a história com
riqueza de detalhes e imagens. Foi provocada a explorar as ideias e os temas
dele, aproximando o conto mais de sua própria vida. Eu, pelo contrário, comecei
me afastando da fábula e trabalhando com as ideias e temas que me interessavam.
Fui convidado a olhar para a fábula, para o conto, para as personagens, para o
arco dramático da história.
No meu Improviso
I, quis trabalhar com a ideia de dividir-se.
Dividir-se
como a salvação do homem que duvida.
Como a
solução para não viver a dúvida e sim viver múltiplas certezas.
Me dividi
em uma gravação presa dentro de um iPod, em uma bolinha de gude e em uma caixa.
Cada um era um Lipe-ficção lançado no mundo com o qual eu me reencontrei. Cada
um viveu algo distinto e teve a chance de se encontrar depois.
A primeira
dúvida foi, o que significa “dar conta” do conto?
A segunda
dúvida foi, qual o acontecimento
duvidoso* desse conto?
Dividi a
sala em duas partes e, em cada uma delas, existiu uma Ch’ienniang. A minha era
a que fugia com Wang Chu, a de Barbara era a que ficava em casa. Tínhamos a
tarefa de narrar nossas histórias, independentes, isoladas, como duas pessoas
diferentes. O público não poderia perceber que eu e Bárbara éramos a mesma
personagem, até o momento que nos uniríamos e romperíamos a divisão da sala.
Nesse momento, o público poderia se questionar – eles são a mesma pessoa?
(apostei nesse momento como o acontecimento duvidoso. A revelação, a descoberta
da existência de duas Ch’ienniang)
Durante o
improviso, me confundi com a Ch’ienniang de Barbara. Tive vontade de ser a
outra, e ela (de acordo com o que Barbara disse na conversa logo após o
improviso) também teve a mesma vontade de ser eu.
Descobrimos
aí que a complexidade do conflito de Ch’ienniang está no fato de uma precisar
ser a outra, por ser ela mesma. Elas não podem se dividir e viverem vidas
autônomas. O desejo de união precisa ser latente. Só assim Ch’ienniang existe e
cumpre o mito de encontrar-se.
*LÉXICO DA DÚVIDA
*LÉXICO DA DÚVIDA
Acontecimento Duvidoso:
(inspirado no Acontecimento Principal da Análise Ativa de Stanislávski). É onde
a dúvida se instala no conto, para onde os nossos esforços precisam ser
direcionados durante a cena. É nele que, possivelmente, reside o fantástico.
- fotos tiradas nos ensaios dos dias 19
e 26/jan/2015, por Luiza Meira Alves, durante improviso dos atores
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