quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

2 de 5 Encontros


POR LIPE LIMA

“Ch’ienniang, dividida entre o amor e o respeito filial, quase morreu de tristeza...”

O Encontro é um estranho no ninho”. Demorei pra compreender a sua escolha e o porquê dele estar entre os outros contos. E, pra ser sincero, acho que só compreendi esse ano, depois dos nossos primeiros ensaios, quando me empurraram pra dentro dele. Encontrei.
Preparamos cinco improvisos (dois preparados por mim e três por Barbara) que acabaram se transformando em estudos de atores, de distância e proximidade com o material. Eu precisava riscar vários fósforos até que um acendesse. Era preciso me atravessar pelo conto.
A sensação que tive é que Barbara e eu fizemos caminhos opostos na construção de nossos improvisos. Ela partiu da fábula do conto em seu primeiro improviso, se colocando no exercício de narrar a história com riqueza de detalhes e imagens. Foi provocada a explorar as ideias e os temas dele, aproximando o conto mais de sua própria vida. Eu, pelo contrário, comecei me afastando da fábula e trabalhando com as ideias e temas que me interessavam. Fui convidado a olhar para a fábula, para o conto, para as personagens, para o arco dramático da história.

Olhar dentro de uma bolinha de gude é olhar para dentro de si mesmo



No meu Improviso I, quis trabalhar com a ideia de dividir-se.
Dividir-se como a salvação do homem que duvida.
Como a solução para não viver a dúvida e sim viver múltiplas certezas.
Me dividi em uma gravação presa dentro de um iPod, em uma bolinha de gude e em uma caixa. Cada um era um Lipe-ficção lançado no mundo com o qual eu me reencontrei. Cada um viveu algo distinto e teve a chance de se encontrar depois.


No meu Improviso II, tive a tarefa de dar conta do conto.
A primeira dúvida foi, o que significa “dar conta” do conto?
A segunda dúvida foi, qual o acontecimento duvidoso* desse conto?

Dividi a sala em duas partes e, em cada uma delas, existiu uma Ch’ienniang. A minha era a que fugia com Wang Chu, a de Barbara era a que ficava em casa. Tínhamos a tarefa de narrar nossas histórias, independentes, isoladas, como duas pessoas diferentes. O público não poderia perceber que eu e Bárbara éramos a mesma personagem, até o momento que nos uniríamos e romperíamos a divisão da sala. Nesse momento, o público poderia se questionar – eles são a mesma pessoa? (apostei nesse momento como o acontecimento duvidoso. A revelação, a descoberta da existência de duas Ch’ienniang)


Unidos por um tecido, Barbara e eu nos tornamos uma só Ch’ienniang e começamos a agir um com o universo da outra, agora como uma pessoa só.
Durante o improviso, me confundi com a Ch’ienniang de Barbara. Tive vontade de ser a outra, e ela (de acordo com o que Barbara disse na conversa logo após o improviso) também teve a mesma vontade de ser eu.
Descobrimos aí que a complexidade do conflito de Ch’ienniang está no fato de uma precisar ser a outra, por ser ela mesma. Elas não podem se dividir e viverem vidas autônomas. O desejo de união precisa ser latente. Só assim Ch’ienniang existe e cumpre o mito de encontrar-se.

*LÉXICO DA DÚVIDA
Acontecimento Duvidoso: (inspirado no Acontecimento Principal da Análise Ativa de Stanislávski). É onde a dúvida se instala no conto, para onde os nossos esforços precisam ser direcionados durante a cena. É nele que, possivelmente, reside o fantástico.

- fotos tiradas nos ensaios dos dias 19 e 26/jan/2015, por Luiza Meira Alves, durante improviso dos atores


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