QUADRO I
(Há três malas muito arrumadas em cena e um móvel antigo com gaveta. Ele e ela se olham ternamente. Ela começa a rir desmedidamente enquanto ele dança e balbucia algumas frases de La Vie en Rose. Ela fala algumas palavras em francês provocando-o uma brincadeira linguística/sexual. Começam a rir alto. Comemoram a possibilidade da partida. Ouve-se do apartamento do andar de baixo vassouradas dos vizinhos pedindo silêncio.)
ELA
(Para o teto, gritando aos vizinhos) Não abriremos mão do francês!! (Continua falando mais alto em francês, Ele começa a cantar La Vie Em Rose com mais ênfase. Os dois dançam, transitam da euforia para o choro durante a dança) Eles nos odeiam.
ELE
(Deixa o abraço e abre um mapa) Aqui! Está vendo? Fica a quatro mil quilômetros, não sentirão nossa falta e nem nós a deles. Está tudo pronto?
ELA
Tudo pronto. E os passaportes? (Procura os passaportes) Onde você guardou os passaportes?! On-de!? Onde você guardou os passaportes?! Onde foi?! (Vai desfazendo a arrumação das malas em fúria). Onde você guardou!?!? Ah, que bom... Estão aqui. Vou guardá-los aqui (com doçura), não os perderemos mais. (Guarda-os no bolso do casaco).
ELE
É melhor que partamos imediatamente para a estação, não quero perder o trem dessa vez.
ELA
Sim! (Apressando-se em rearrumar as malas, mas com cuidado e delicadeza) Sim! Antes, no entanto, eu gostaria de... (Abraça-o) Eu gostaria de me perder durante horas nesse teu abraço, gostaria de gastar aqui séculos nesses poucos minutos que nos restam... Nessa casa... Nesse lugar. Eu duraria muito tempo no tempo em que deslizo sobre os teus braços, assim, molinha molinha... Como água. Eu ficaria a eternidade nesses poucos minutos que nos restam. Nessa casa... Nesse lugar. Eu diria adeus durante horas. Faria a palavra durar o tempo de um dia inteiro, ela caberia em minha boca como se fosse uma grande e interminável massa de ar e eu tivesse que me expandir por inteira para poder enunciá-la. Isso duraria horas. Eu falaria em um alto-falante para que toda essa bosta de cidade pudesse ouvir sem poder se queixar. (Fala como em câmera lenta) A-DE-US. Como é bom. Como é boa essa sensação de fazer tudo caber na boca. (Começa a falar desmedidamente em francês, histericamente, gritando. Mais uma vez o barulho da vassourada).
ELE
Malditos. Vamos logo, se sairmos pelos fundos não precisaremos encontrar a velhota.
ELA
E nem o zelador.
ELE
E talvez possamos desviar do carteiro seguindo pela rua de baixo.
ELA
Mas e os meninos do futebol?
ELE
Passaremos por eles correndo.
ELA
Com as malas não será possível.
ELE
Será patético. (Ambos riem)
ELA
Vamos. E os passaportes? Onde você os colocou?
ELE
Foi você a última a tocar neles.
ELA
Onde estão?! Onde estão!? Os passaportes meu deus!!
ELE
(Abre uma das malas, encontra-os) Aqui. Estão aqui.
ELA
Que bom.
ELE
É melhor eu carregá-los aqui no bolso.
ELA
Sim. Vamos?
ELE
Vamos!
(Saem. Ela volta.)
ELA
Os passaportes! (Encontra-os na gaveta de um móvel antigo. Sai)
QUADRO II
(Ele e ela estão sentados na plataforma da estação. Começa a chover sobre o banco. Eles precisam ir para um lugar seco em que não há assentos. Ficam de cócoras, ao lado de suas malas, de mãos dadas. Ele tira o chapéu e começa a afrouxar a camisa. Aos poucos os dois vão ficando cansados. O tempo passa. Os dois deitam no chão e dormem.)
ELA
(Murmurando no meio da soneca) As passagens... Não temos passagens.
(Passa um homem e põe dinheiro no chapéu d’Ele, como que oferecendo uma esmola ao casal que dorme).
QUADRO III
(Passadas algumas horas. O chapéu está cheio de dinheiro. Ele e Ela despertam)
ELE
(Constatando as esmolas) Vamos comprar as passagens e viajaremos de primeira classe!
(Um senta ao lado do outro, estão no vagão do trem. Tudo é muito bonito e luxuoso)
ELA
E os passaportes?
ELE
Estavam com você.
ELA
Merda! Os passaportes!? (Começa novamente a desarrumar a mala). Onde estão os passaportes?!! (Novamente o ritual histérico de busca. Ele os encontra no chapéu).
ELE
Aqui, estão aqui.
(Ambos se sentam ansiosos pela partida. No circuito sonoro do trem é anunciado que o veículo está partindo. Ele e Ela percebem que o trem não se move. Percebem os vagões dianteiros indo embora. Eles ficam no trem parado. Transitam da tristeza ao riso. Ele entoa frases de La Vie en Rose).
- exercício dramatúrgico a partir do conto Os Cativos de Longjumeau de León Bloy e de improviso dos atores.
- fotos tiradas no ensaio do dia 20/out/2014 durante improviso dos atores a partir do exercício dramatúrgico.
- fotos tiradas no ensaio do dia 20/out/2014 durante improviso dos atores a partir do exercício dramatúrgico.
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