POR LIPE LIMA
ELA
Se
eu tivesse pelo menos barba perceberiam e pela barba tentariam inutilmente
arrancar-me dali, mas eu já compunha o que comecei a chamar de lar
ecossistêmico. O solo amado eu integrei com minhas contusões e meus cílios
postiços, invisível e exibida, tornei-me deus.
(trecho
de Fantasmagoria Carne, de Paloma Franca Amorim)
***
Há
alguns anos comecei a questionar o porquê desejar "Feliz dia da
mulher" para as mulheres que me rodeiam. De repente, longe das rosas que
pintávamos e confeccionávamos para nossas mães na escola, comecei a achar
estranho, a desconfiar da existência desse dia.
Foi
então que, pela primeira vez, sentado em uma mesa de bar, uma amiga me contou a
história de mulheres operárias que em um 8 de março morreram queimadas dentro
de uma fábrica por estarem reivindicando direitos igualitários no trabalho.
Viraram
pó como a personagem que diz a fala acima. Viraram pó porque não tinham barba -
e tenho certeza que nem queriam ter. Queriam apenas que tal ausência (da barba)
não se tornasse o norteador de suas vidas, não significasse a ausência total de
suas existências fora da vida doméstica, invisibilidade e menosprezo.
Demorei,
confesso, a perceber como essa cena tratava disso. Foi Barbara que me abriu os
olhos. Claro! Ela é mulher e eu, homem que sou, não notei como era
significativa a mudança da personagem para o feminino (no conto original, de
Santiago Dabove, é um homem que se torna planta e, posteriormente, pó). É uma
mulher que se transforma em planta e que pela ausência de barba não é notada,
não é vista, é pisoteada por homens, como eu, que passam por ali.
Uma
mulher ou o progresso? é a pergunta final da personagem masculina, dotada do
poder científico, dessa dita superioridade que ainda acreditamos
ter em diversas situações.
Ouso
dizer que, atualmente, ambas as palavras são sinônimas pra mim. Não o progresso
com significado histórico, esse que passa por cima de todos e incendeia
fábricas com mulheres presas – desse progresso capitalista tenho receio,
principalmente por estar tão perto, tão dentro dele - mas o progresso que vai,
finalmente, descartar as diferenças sociais e culturais entre homem e mulher e nos fazer
entender, de uma vez por todas, que somos todos gente.
Não
desejo “Feliz dia da mulher”.
Pra mim, não
é um dia feliz.
Não
é um dia de comemoração.
É um
dia de pensarmos como, diariamente, a gente prende as mulheres com as quais
vivemos e as queimamos vivas – e aqui falo na metáfora, apesar de saber que,
infelizmente, em alguns lugares não muito distantes, elas são sim queimadas sem
metáfora alguma, mas com a dor e ardência que só alguém que precisa lutar para existir pode sentir.
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