(texto-inspiração trazido pela diretora aos atores, sobre o sr. e
a sra. Fourmi)
sobre os Fourmi
sobre o cárcere em Longjumeau
sobre a tragédia dele e dela
"Havia
a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a
garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta:
eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a
própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam
para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles.
Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é
a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho
da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles
admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se
transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a
grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e
não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No
entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e
quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque
tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque,
de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram
dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não
se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a
carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já
cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos."
(Clarice Lispector)